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Atuação estratégica da Advocacia Pública na instauração, formação e aplicação de precedentes qualificados

POR FÁBIO VICTOR DA FONTE MONNERAT

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SUMÁRIO: I - Introdução: a valorização da jurisprudência e dos precedentes no CPC/2015 e os impactos na atuação da Advocacia Pública. II - As demandas repetitivas no sistema do CPC/2015: tratamento coletivizado, suspensão de causas idênticas e formação de pronunciamentos vinculantes pelas técnicas previstas no art. 928 do Código. III - Procedimentos de formação de precedentes qualificados e a necessidade de atuação estratégica da Advocacia Pública. IV - As possíveis posturas da Advocacia Pública após da formação dos precedentes qualificados: limites e possibilidades. V - Conclusões. Referências.

 

I - INTRODUÇÃO: A VALORIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E DOS PRECEDENTES NO CPC/2015 E OS IMPACTOS NA ATUAÇÃO DA ADVOCACIA PÚBLICA

Dentre as grandes novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, a valorização da jurisprudência e, especialmente, das súmulas e dos precedentes qualificados, está entre as principais e mais impactantes inovações para o sistema de Justiça.

Este sistema, inaugurado pelo art. 926 do Código, preza, em primeiro lugar, pela uniformidade da jurisprudência – o que revela um importante aspecto relacionado à igualdade de tratamento dos jurisdicionados – assim como, valoriza a integridade, integridade e coerência da jurisprudência, aspecto intimamente ligado à segurança jurídica.

Teresa Arruda Alvim[1] elenca três vantagens advindas da valorização da jurisprudência, a saber: a) mais efetividade do processo, na medida em que, uma vez decidida a questão de maneira reiterada, o gasto de atividade jurisdicional e das partes tende a ser menor na solução da mesma questão em casos futuros; b) maior respeito ao princípio da isonomia, por se estar dando tratamento igual, ou seja, a mesma resposta jurisdicional a casos idênticos; e c) maior previsibilidade e tranquilidade para o jurisdicionado, representações do princípio da segurança jurídica que estaria sendo prestigiado a partir do momento em que há um sistema voltado a garantir que a resposta do Poder Judiciário, órgão constitucionalmente competente para dar a última palavra sobre a interpretação e aplicação da lei, é respeitada nos casos pendentes e futuros.

Na esteira desta doutrina, o art. 926 do CPC promove a igualdade ao consagrar o dever de uniformidade da jurisprudência, ao passo que a segurança jurídica é alcançada pelo respeito e estabilidade da mesma, também determinado pela segunda oração do dispositivo.

Sobre o ponto, Ronaldo Cramer[2] esclarece que “estabilidade da jurisprudência significa a existência de precedentes firmes e sólidos capazes de demonstrar, sem dificuldades, o posicionamento do tribunal sobre determinadas questões”.

Essa estabilidade, determinada pelo sistema a começar pelo princípio da segurança jurídica, impõe ao tribunal um dever de respeitar, além dos precedentes dos tribunais superiores, os seus próprios.

Alexandre Câmara[3] esclarece que “a exigência de estabilidade da jurisprudência indica que linhas de decisões constantes e uniformes a respeito de determinadas matérias não podem ser simplesmente abandonadas ou modificadas arbitrária e discricionariamente. Em outros termos, não pode o órgão jurisdicional decidir matéria a cujo respeito exista jurisprudência constante”.

Estes valores, estimados pela doutrina e idealmente propostos no art. 926 do CPC, são melhor alcançados por força do que dispõe o artigo seguinte (art. 927) que arrola os pronunciamentos que devem ser obrigatoriamente observados pelos juízes e tribunais, quais sejam: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do  plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados[4].

O dispositivo nos permite concluir que a existência de um dos pronunciamentos nele arrolados influenciam diretamente no conteúdo da     decisão judicial dos demais processos que versem sobre o tema já sumulado ou consagrado em um dos precedentes ali identificados.

De uma certa maneira, a expressa referência àqueles pronunciamentos sugerem que estes precedentes e os enunciados de súmulas sejam a forma sugerida pelo Código pela qual os tribunais cumpram o dever estabelecido no art. 926, qual seja, o dever de uniformizar e respeitar a jurisprudência.

Ademais, o sistema do Código de Processo Civil estabelece que, uma vez existentes estes precedentes, restam legitimados cortes procedimentais que aceleram o procedimento como é o caso, por exemplo, da dispensa do reexame necessário prevista no art. 496, §4º - que acelera o trânsito em julgado -, do julgamento monocrático do relator a teor do art. 932, incs. IV e V - que dispensa a sessão de julgamento e os atos nela praticados, como a sustentação oral e o voto dos demais magistrados e o julgamento liminar de total improcedência, nos termos do art. 332, que autoriza a prolação da sentença de mérito logo quando da análise da petição inicial, evitando praticamente toda a atividade processual.

É de se destacar que tanto a eficácia vinculante, quanto a potencialidade de impactar no procedimento e permitir a “aceleração” procedimental fulcrada na prévia uniformização só é autorizada pelo Código quando o entendimento estiver consagrado em “súmula” e em alguns precedentes que, por esta razão, devem ser tidos como “precedentes qualificados”.

Neste aspecto, destaca-se uma sensível diferença em comparação ao sistema do CPC de 1973 que autorizava a aceleração do procedimento com base em “ jurisprudência dominante” - não formalmente enunciada portanto - (art. 557 CPC/73) e em “precedentes do próprio juízo” (art. 285-A) que não possuíam qualquer qualidade ou peculiaridade digna de destaque no que tange ao procedimento de sua formação.

As técnicas de aceleração a estas equivalentes, na sistemática do CPC 2015 só estão autorizadas, repita-se, por “súmulas” ou “precedentes qualificados”[5].

Por súmulas, devem ser entendidas a representação formal da jurisprudência pacífica, ou dominante, que emerge de um procedimento especificamente voltado ao reconhecimento da pacificação ou domínio do entendimento jurisprudencial.

Já os precedentes qualificados devem ser entendidos como julgamentos proferidos em procedimentos previstos em lei voltados a formação de uma precedente, apto à expressar o entendimento do Tribunal sobre uma questão de direito e a ser aplicado nos demais casos que envolverem a mesma matéria.

Estes precedentes são qualificados, não apenas pelo fato de serem vinculantes e por legitimarem cortes procedimentais, mas também porque os procedimentos previstos para sua formação são dotados de uma maior influência dos princípios do contraditório, motivação e publicidade[6].

Nesse sentido, é nítido da análise do sistema do Código a preocupação em maximizar a publicidade, o contraditório e a motivação nos procedimentos voltados à formação do precedente qualificado, o que pode se depreender da leitura dos arts. 950, 979, 983, 1.038, 1.040, por exemplo.

Desta feita, tais precedentes podem ser tidos por qualificados: a) pela sua autoridade (força) e capacidade de influenciar nos demais processos que versem sobre a mesma questão jurídica, e; b) pela maior qualidade do procedimento de sua produção.

Os procedimentos de formação de precedentes qualificados são regulamentados pelo próprio Código de Processo Civil, notadamente nos arts. 947; 976 a 986 e arts. 1.036 a 1.040.

Já em relação às súmulas, o Código se limita a determinar que os tribunais a editem, mas não se preocupa em estabelecer o procedimento de edição, apenas dispondo que as mesmas serão editadas “na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno (art. 926, §1º).

De toda sorte, a teor do disposto no art. 927, IV do CPC, os enunciados de súmulas que possuíam caráter meramente persuasivo no sistema de 1973, possuem no sistema atual, um caráter de obrigatória observância, o que implica na necessidade de um maior acompanhamento na produção e formação destes pronunciamentos judiciais.

Este contexto, fornece à Advocacia Pública um relevante leque de possibilidades, para que, no âmbito de suas atribuições e na defesa dos interesses dos entes por ela representados, seus órgãos funcionem como protagonistas no sistema de formação e aplicação dos precedentes qualificados.

O objeto do presente estudo é demonstrar que esta atuação especializada e contribuição da Advocacia Pública para com o sistema de Justiça, pode se dar também por meio da atuação estratégica na formação e aplicação de precedentes qualificados, na forma a seguir delineada.

Antes, serão tecidas brevíssimas considerações gerais acerca do microssistema de processamento e julgamento de casos repetitivos que está intimamente imbricado com o sistema de precedentes qualificados, sobretudo porque estes pronunciamentos são, em última análise, o produto dos procedimentos integrantes do microssistema (IRDR, RESP e ER Repetitivos).

 

II – O TRATAMENTO COLETIVIZADO DOS CASOS REPETITIVOS NO SISTEMA DO CPC/2015: Tratamento coletivizado, suspensão de causas idênticas e formação de pronunciamentos vinculantes pelas técnicas previstas no art. 928 do Código

O Código de Processo Civil de 2015, a par de prever os deveres de uniformização, integridade, coerência, estabilidade e respeito da jurisprudência no art. 926, e arrolar pronunciamentos vinculantes em seu art. 927, cria no artigo seguinte (art. 928), um microssistema voltado a racionalizar o processamento e o julgamento das demandas repetitivas.

Esta realidade denominada no art. 928 do CPC de ‘casos repetitivos’ gera um tratamento coletivizado em relação às estas demandas que, não obstante formalmente individuais, envolvem uma mesma questão de direito ‘massificada’.

Este “tratamento coletivizado de processos repetitivos” que envolvam demandas repetitivas, em essência, se caracteriza por: a) concentração da solução da questão múltipla; b) sobrestamento de todos os processos que versem sobre a questão idêntica; c) formação de um precedente qualificado, d) aplicação do precedente qualificado de forma vinculante (art. 927, III, art. 985, I e II e art. 1.040) e “acelerada” (ex.: art. 332, 932, inc. IV e V) a todos os processos até então suspensos.

Tal sistemática portanto, pauta-se, especialmente, pela formação e valorização de precedentes qualificados que, uma vez produzidos, autorizam, legitimamente, a aceleração do procedimento e impõe a repetição da aplicação da tese consagrada no julgamento de todas as demandas individuais idênticas ajuizadas.

A existência destes precedentes, portanto, é legitimadora de técnicas de aceleração da prestação jurisdicional que, se bem aplicadas, podem não só levar a um processo mais rápido e eficiente, homenageando o princípio da duração razoável do processo, como também torná-lo mais justo, aplicando a todos que se encontram na mesma situação no plano do direito material o mesmo entendimento.

O Código de Processo Civil, nesse aspecto, combate a concepção antiga de que cada processo e cada um dos autos é “um mundo”, que implicaria em aceitar a já denominada “loteria jurisdicional” e tolerar que duas pessoas em uma mesma situação jurídica recebam tratamentos rigorosamente opostos por terem sido julgadas por juízes com diferentes “entendimentos”.

Além de uma técnica de formação e aplicação de precedentes, é importante notar que as técnicas de tratamento coletivizado de causas repetitivas também funcionam como uma ferramenta de gestão de processos repetitivos[7].

Isso porque, conforme asseverado acima, uma das consequências da instauração do procedimento de formação do precedente é a suspensão de todos os processos que versam sobre a mesma matéria, nos termos disposto nos arts. 982, I e §3º e 1.037, II do Código.

A suspensão, ao proibir a prática de aos processuais (art. 313, IV do CPC) implica em uma diminuição em larga escala de atos de comunicação e movimentação, como citação, intimações, carga dos autos, etc., assim como a paralização da contagem dos prazos processuais. Além disso, impede a prolação de decisões conflitantes durante o incidente de solução concentrada.

Em síntese, a suspensão a) evita a prática de atos processuais decisórios sobre tema, em grande medida divergentes, a depender do posicionamento do juiz ou desembargador, e; b) impede a prática de atos pela Procuradoria, pelas partes, assim como os atos auxiliares do juízo e todos os atos de comunicação e movimentação processuais.

Por casos repetitivos (ou demandas repetitivas) devem ser entendidas aquelas causas que são veiculadas em centenas ou milhares de ações ajuizadas individualmente, mas que, no fundo, tratam da mesma matéria de direito, sendo inexistente a controvérsia acerca de fatos e questões probatórias e, por isso, voltadas exclusivamente a examinar uma questão jurídica comum e capaz de atingir de modo semelhante um grande grupo de jurisdicionados (contribuintes de determinado tributo, consumidores de certos serviços, aposentados etc.).

Nesses casos, por se tratar de uma relação jurídica massificada, a ambiguidade na interpretação e aplicação do direito proporciona uma enorme quantidade de ações propostas com pedido e causa de pedir semelhantes.

Neste contexto, é importante destacar que os litígios repetitivos que envolvem questões de direito público possuem como parte nos diversos processos repetitivos, via de regra, a mesma pessoa jurídica de direito público.

Em outras palavras, é muito comum que a mesma pessoa de direito público figure como parte em todos litígios que versam sobre a questão de direito, o que revela o seu interesse e legitimidade destes sujeitos para atuar na instauração, processamento e julgamento dos incidentes e demais procedimentos de solução concentrada.

Portanto, nos referidos feitos repetitivos, a pessoa jurídica de direito público é um litigante habitual, o que além de demonstrar a legitimidade para propor o requerimento, revela a capacidade dos órgãos de Advocacia Pública, enquanto representante judicial destes entes, em identificar a multiplicidade de demandas idênticas e demonstra a necessidade e utilidade em pacificar e uniformizar a questão.

 

III - PROCEDIMENTOS DE FORMAÇÃO DE PRECEDENTES QUALIFICADO NO CPC/2015 E A NECESSIDADE DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA DA ADVOCACIA PÚBLICA

A depender da instância perante a qual multiplicidade de processos se revela e, portanto, em qual tribunal será formado o precedente vinculante, o Código de Processo Civil prevê um procedimento específico.

Assim, no segundo grau de jurisdição é previsto o IRDR (art. 928, I e arts. 976 a 987 do CPC), ao passo que, no Superior Tribunal de Justiça, os mesmos objetivos são alcançados por meio da instauração do recurso especial repetitivo.

Já no Supremo Tribunal Federal, o reconhecimento da repercussão geral da questão objeto de recurso extraordinário, por si só, já equivale à instauração de um procedimento de formação de precedente qualificado sobre a questão constitucional.

Ademais, fora do regime dos casos repetitivos, tem lugar o incidente de assunção de competência, que funciona como um mecanismo de formação de precedentes qualificados para casos não repetitivos, porém relevantes do ponto de vista econômico, jurídico ou social.

Nesse contexto, são várias as etapas necessárias à formação do precedente, muitas delas anteriores ao processamento e julgamento da questão repetitiva ou relevante.

Ademais, considerando a maximização do contraditório, publicidade e motivação próprias destes procedimentos, a atuação específica e estratégica dos sujeitos interessados na solução da controvérsia, uma vez instaurado o incidente ou afetado o tema, se impõe.

Como etapas anteriores à própria instauração devem ser destacados o mapeamento da litigiosidade e identificação dos temas repetitivos, assim como a seleção de processos representativos da controvérsia.

Tais etapas, vale registrar, vem sendo, em grande medida realizada, ‘de ofício’ pelos Tribunais, principalmente os Superiores, na afetação de recurso especial repetitivo (STJ) e recurso extraordinário com repercussão geral (STF) e, em menor proporção, pelos tribunais de segundo grau ‘de ofício’ ou por provocação das partes.

Entretanto, é preciso destacar ser extremamente vantajoso, do ponto de vista da defesa do interesse público, que os órgãos de Advocacia Pública também realizem estas atividades, preferencialmente antes, ou ao mesmo de maneira concomitante, à atuação dos demais atores.

Isso porque, estas atividades de mapeamento e identificação dos temas repetitivos e a seleção de processos representativos da controvérsia, somada a uma análise de risco, conveniência e oportunidade da afetação pode trazer uma série de vantagens na defesa do interesse público.

Nesse sentido, a condução do procedimento, assim como seu resultado, i.e., o sentido e o alcance da tese jurídica consagrada no precedente, pode ser sensivelmente diferente a depender desta atuação e da correta opção pela afetação ou não do tema, do ‘estágio da discussão em que o tema se encontra na jurisprudência, de qual tribunal o procedimento será instaurado e até mesmo da escolha do processo paradigma, em especial o seu contexto fático probatório.

Todos estes são fatores podem ser decisivos para o sucesso ou insucesso da tese defendida pela pessoa jurídica de direito público, uma vez que, o mesmo tema, muitas vezes, é visto de maneira diversa por diferentes tribunais, evolui e amadurece ao longo do tempo e pode ter um sentido e alcance distintos a depender da forma como os fatos e provas e a própria argumentação jurídica são colocados.

Portanto, cabe a Advocacia Pública atuar estrategicamente e tomar iniciativas com vistas a uma correta preparação e encaminhamento da apreciação do tema, na qualidade de protagonista e com o destaque que a defesa do interesse público em juízo merece e precisa, ainda que paralelemente a esta atuação, outros sujeitos, como demais funções essenciais à Justiça, particulares e até mesmo o Poder Judiciário ‘de ofício’, possam igualmente tomar providencias equivalentes.

Por via de consequência, o pedido de instauração de IRDR ou IAC ou de afetação de RE e RESP repetitivos podem ser realizados estrategicamente por provocação da Advocacia Pública, o que deve ser precedida de uma análise de risco, conveniência e oportunidade da formação do precedente sobre um determinado tema em um dado momento, considerando o estágio da evolução do tema nos tribunais.

Vale registrar que, nesta etapa de avaliação, viabilidade e análise riscos da propositura, pode ser detectada a necessidade de um realinhamento ou aprimoramento da atuação antes da instauração do incidente ou afetação do repetitivo para, só então, se chegar a um estágio de amadurecimento favorável à fixação da tese.

Em outras palavras, uma atuação prioritária em alguns casos que envolvam a tese a ser afetada, antes da instauração do incidente de formação do precedente qualificado pode se revelar necessária para fins de aprimoramento da tese e amadurecimento da questão na jurisprudência do tribunal.

A par destas atividades preparatórias, por óbvio, a atuação no próprio incidente, a partir da instauração também deve se dar de maneira prioritária, estratégica e especializada.

Não custa repetirmos que, em função da força emprestada às decisões tomadas nos procedimentos de formação de precedentes qualificados, a sistemática prevista no CPC, como dito, potencializa os princípios processuais constitucionais no curso de seu procedimento, especialmente a publicidade, o contraditório e a motivação o que deve pautar a atuação destacada da Advocacia Pública.

O princípio da publicidade, por exemplo, maximizado pelo art. 979 do CPC, que, em seu caput, reza que “a instauração e julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio do registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça”, e no parágrafo único determina que “os tribunais promoverão a formação e atualização de banco de dados eletrônico sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando, imediatamente, ao Conselho Nacional de Justiça, para a inclusão no cadastro”.

Tais regras possuem um claro intuito de promover o mais amplo conhecimento possível da instauração e do julgamento do incidente, viabilizando uma participação abrangente, dos magistrados, advogados e demais operadores de Direito e da própria sociedade no procedimento e maior observância do decidido.

Nesse contexto, cabe a Advocacia Pública acompanhar “em tempo real” a formação, alimentação e atualização dos referidos bancos de dados em razão dos impactos dos precedentes nos processos em que ela atua.

Também o princípio do contraditório é potencializado no incidente, pela previsão de participação do Ministério Público, quando esse não for o requerente e pela possibilidade de o relator, antes de proferir decisão sobre a questão de direito, ouvir as partes e os demais interessados, assim entendidas “pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia” e designar audiências públicas, nos termos dos arts. 982 e 1.038 do CPC.

Diante disso, é forçosa a conclusão no sentido de que também integra o rol de atividades estratégicas próprias da Advocacia Pública, neste contexto, a participação em todas as etapas dos procedimentos iniciados pelos outros sujeitos processuais legitimados para tanto, com o intuito de influenciar a formação do precedente qualificado.

Esta participação se dará – quando a Fazenda Pública não for parte do processo paradigma – na qualidade de amicus curiae, modalidade de intervenção de terceiro já existente na legislação processual extravagante e que passa a possuir tratamento no sistema codificado no art. 138 do CPC/2015.

A legitimidade para intervir como amicus curiae, segundo a mais autorizada doutrina sobre o tema[8] decorre da demonstração, cumulativamente: a) do interesse institucional, conceito mais abrangente do que o de interesse jurídico previsto na regulamentação do instituto da assistência; e b) de adequada representação, ou seja, a representatividade dos postulantes.

Cassio Scarpinella Bueno[9] sugere como “um referencial importantíssimo, mas não suficiente”, o rol de legitimados pelo direito processual para propor ações coletivas, salientando, todavia, que não há como recusar que quaisquer interessados, “mesmo não admitidos pela lei brasileira como legitimados para propor ações coletivas, possam pretender desempenhar a função de amicus curiae”.

É possível, ademais, vislumbrar um interesse jurídico objetivamente constatável, para que, com fulcro no princípio do contraditório, determinados sujeitos possam participar do incidente de resolução de demandas repetitivas, quais sejam, aqueles que figurem como parte em demandas individuais que versam sobre a mesma matéria e que potencialmente serão atingidos pelo decidido no procedimento.

Portanto, no grupo de legitimados para intervir incluem-se todas as partes dos processos que envolvam a mesma questão de direito, que, apesar de não possuírem interesse institucional, têm interesse jurídico na solução do incidente.

Neste contexto, a atuação da Advocacia Pública pode ir desde a atuação na qualidade de amicus curiae em procedimentos já instaurados, como também e, sobretudo, na provocação e acompanhamento estratégico de incidentes de resolução de casos repetitivos.

Estas mesmas atividades têm lugar no julgamento do recursos especial e extraordinário repetitivos e recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida[10] disciplinados nos 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil.

No que se refere a estes procedimentos, necessário destacar alguns aspectos relevantes a começar pela iniciativa da afetação que, nos termos do art. 1.036, caput e §1º do Código, pode ser feita pelo próprio Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal ou pela presidência ou vice-presidência do Tribunal de origem.

Em outras palavras, não há previsão expressa de iniciativa das partes, e por via de consequência da Advocacia Pública, e de outras funções essenciais à Justiça como Defensoria Pública e Ministério Público, à exemplo do que ocorre no art. 977 ao dispor sobre a legitimidade para provocar a instauração do IRDR.

Contudo, em nosso sentir, a ausência de previsão expressa, não retira a capacidade e legitimidade do ente público, e da Advocacia Pública enquanto seu representante em juízo, de propor a afetação, quer junto ao Tribunal a quo, quer perante o próprio tribunal Superior.

Isso porque, as mesmas razões que conferem a legitimidade para propor o IRDR estão presentes quando da afetação do tema como repetitivo e da seleção do processo como representativo da controvérsia.

Ademais, a possibilidade de provocação pela Advocacia Pública para a afetação se justifica à luz dos princípios do contraditório, maximizado já nesta fase inicial de julgamento de caso repetitivo, e do princípio da cooperação, norma fundamental do nosso sistema processual conforme dispõe o art. 6º do CPC.

Isso porque, a indicação de temas identificados pela Advocacia Pública como repetitivos, assim como a indicação de processos representativos da controvérsia, feitas por petição fundamentada em que restem demonstrados os requisitos para afetação, apenas contribuem para racionalização, eficiência e celeridade processuais, o que revela o atingimento da essência do princípio da cooperação.

Cabe ao órgão de Advocacia Pública atuante no tribunal demonstrar e comprovar nessa petição de requerimento de afetação a presença dos requisitos legais (multiplicidade, natureza unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica), fornecendo, sempre que possível, dados objetivos, como números de feitos, impactos financeiros e posicionamentos jurisprudenciais; informações que, na maioria das vezes, apenas o órgão de representação da pessoa jurídica de direito público conhece e possui, justamente por ser o único ente presente em todos os feitos que envolvem a controvérsia.

Em outras palavras, muitas das vezes, os órgãos de Advocacia Pública são a principal fonte de informação sobre a litigiosidade repetitiva de temas que envolvem o direito público, sendo sua responsabilidade (e dever) cooperar indicando aos tribunais superiores temas passíveis de afetação pelo regime dos repetitivos.

Outra peculiaridade procedimental que vem sendo muito bem observada, especialmente pelo Superior Tribunal de Justiça, encontra-se na intimação da Fazenda Pública quando do início da fase de análise do recurso como “representativo da controvérsia”, etapa anterior à decisão de afetação propriamente dita.

Neste momento, cabe à Fazenda Pública em caráter cooperativo e complementar à decisão dd Tribunal, mais uma vez com fundamento nos princípios da cooperação e do contraditório, em sua perspectiva maximizada no procedimento de recursos repetitivos, e na qualidade de pare e litigante habitual, presente em todos os feitos que versam sobre a controvérsia, contribuir para o aprimoramento da afetação.

Esta contribuição pode se dar por meio da indicação de outros recursos tão ou mais representativos da controvérsia, do apontamento de eventuais vícios ou entraves processuais à admissibilidade dos recursos pré-selecionados, do pedido de substituição ou acréscimos de recursos representativos e requerimentos fundamentados de ajustes na tese sugerida par afins de afetação.

Já o que se refere ao procedimento do julgamento de mérito do recurso repetitivo, valem as mesmas observações e métodos de atuação por nós arrolados quando dos comentários acerca do IRDR linhas atrás, sendo, portanto, papel da Advocacia Pública, realizar o acompanhamento prioritário dos feitos; elaborar de memoriais relativos à admissibilidade e ao mérito do incidente; despachar com o relator e demais magistrados competentes para julgar o incidente; realizar sustentação oral na sessão dedicada ao julgamento do feito; participar da audiência pública, caso esta venha a ser designada; elaborar e interpor, quando for o caso, os recursos cabíveis, inclusive embargos de declaração.

 

IV – AS POSSÍVEIS POSTURAS DA ADVOCACIA PÚBLICA APÓS A FORMAÇÃO DO PRECEDENTE QUALIFICADO: LIMITES E POSSIBILIDADES

 Uma vez julgado o incidente de resolução de demandas repetitivas, a tese deve ser aplicada a todos os processos que envolvam a questão em função do disposto no art. 985 do Código que, apesar de não se utilizar da expressão “eficácia vinculante”, determina a observância obrigatória do entendimento firmado no incidente por todos os órgãos de jurisdição inferior vinculados ao tribunal prolator da decisão, inclusive nos processos que se desenvolvem perante os juizados especiais.

Da mesma forma, julgado o recurso repetitivo, forma-se um precedente qualificado, com eficácia vinculante, neste caso em âmbito nacional.

A produção destes efeitos vinculantes, a um só tempo, promove igualdade e segurança jurídica (no sentido de previsibilidade), além de desestimular a litigância nas situações já consolidadas, reduzindo assim a litigiosidade.

No caso dos recursos especial repetitivo e extraordinário com repercussão geral a tese nele consagrada deve ser aplicada por todos os órgãos jurisdicionais sejam eles juízes, tribunais de segundo grau ou mesmo os próprios tribunais superiores a depender de fase procedimental que o processo tenha sido suspenso.

Se o recurso excepcional, quando suspenso já estiver pendente no tribunal superior, o julgamento deverá se dar monocraticamente pelo relator, conforme art. 932, IV e V do CPC, aplicando-se a tese consagrada no precedente qualificado.

Caso o processo esteja suspenso no tribunal de origem aguardando o juízo de admissibilidade pelo presidente ou vice presidente do tribunal o recurso deverá, a depender da hipótese: a) ter seguimento denegado quando o acórdão recorrido consagrar a tese decidida pelo Tribunal Superior no julgamento do recurso paradigma; e b) ser reexaminado pelo tribunal a quo na hipótese contrária, em que o acórdão recorrido divergir da orientação do Tribunal Superior, momento em que está autorizado o tribunal a quo a exercer o juízo de retratação, adaptando o acórdão recorrido ao entendimento consagrado no julgamento concentrado.

Se, após a referida reanálise pelo tribunal de origem, for mantido o acórdão em termos contrários à orientação firmada pelo Tribunal Superior quando do julgamento do recurso paradigma, o procedimento deve ser: c) análise da admissibilidade do recurso excepcional e encaminhamento para o Tribunal Superior competente (art. 1.041).

Obviamente, esta última hipótese é frontalmente combatida pelo sistema, até porque é clara a determinação do Código o sentido de que os tribunais de segundo grau de jurisdição devem observar e aplicar a tese consagrada no julgamento do recurso paradigma independentemente da “ jurisprudência local”, pois o contrário significa negar sentido ao procedimento de resolução concentrada.

Já os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento, pelos juízes e relatores (monocraticamente, a teor do art. 932, IV e V) que devem, na ocasião, observarem e obrigatoriamente aplicarem a tese firmada pelo tribunal superior.

Nesse ponto, importante destacar que, mesmo que a decisão dos órgãos de primeiro e segundo graus contrarie a tese consagrada no julgamento dos recursos excepcionais repetitivos não é admissível imediatamente a reclamação (art, 988, §5º, II do CPC).

Ademais, em razão das técnicas processuais de aceleração procedimental fulcradas nos pronunciamentos vinculantes, os processos pendentes e os eventualmente ajuizados terão seu rito abreviado em razão dos cortes procedimentais autorizados pelo Código nestas situações, tais como a improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC) e o julgamento monocrático do relator (art. 932, inc. IV e V do Código)

Portanto, inúmeras vantagens podem advir da formação de um precedente qualificado, assim como da própria instauração destes incidentes.

Isso porque, a simples instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas ou afetação do recurso excepcional repetitivo, implica na suspensão dos processos que versam sobre a mesma matéria (art. 982 e art. 1.037, II do CPC, respectivamente), o que por si só, permite a gestão das demandas repetitivas e uma maior racionalização da atividade da Procuradoria que, com a maioria esmagadora dos processos idênticos suspensos, terá maiores condições materiais e humanas de se dedicar ao incidente de solução concentrada à resolução da questão de direito repetitiva.

Ademais, a formação de precedentes vinculantes favoráveis a Fazenda Pública implicará em uma procedência em escala regional (IRDR, art. 985, I e II) ou nacional da tese (art. 987, IRDR e 1.040 – RE e RESP Repetitivo do CPC), com significativa diminuição da atividade processual, quer pela inibição do ajuizamento de demandas, quer pelos cortes procedimentais proporcionados pela pré-existência dos pronunciamentos a exemplo da improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC) que dispensa, inclusive, a citação da pessoa jurídica de Direito Público ré.

Por fim, na hipótese de o pronunciamento vinculante vir a ser contrário ao interesse defendido pela Advocacia Pública, caberá aos seus órgãos orientar os membros no que tange a atuação diante do precedente desfavorável.

No âmbito da Advocacia-Geral da União, por exemplo, é prevista a possibilidade de orientação da atuação em relação a aplicação e ao alcance das Portarias AGU 487/2016 e AGU 488/2016 que, v.g., dispõe que os advogados da União e os Procuradores Federais “ficam autorizados a reconhecer a procedência do pedido, a abster-se de contestar e de recorrer e a desistir dos recursos já interpostos quando a pretensão deduzida ou a decisão judicial estiver de acordo com: a) súmula da Advocacia-Geral da União ou parecer aprovado nos termos dos artigos 40 ou 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; b) súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal; c) acórdão transitado em julgado, proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade; d) acórdão transitado em julgado, proferido em sede de recurso extraordinário representativo de controvérsia, processado nos termos do artigo 1.036 do CPC; e)  acórdão transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário em incidente de resolução de demandas repetitivas, processado nos termos do artigo 987 do CPC; f) acórdão transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de incidente de assunção de competência, processado nos termos do artigo 947 do CPC; e, g) acórdão transitado em julgado proferido pelo plenário e súmula do Supremo Tribunal Federal, caso a controvérsia sobre matéria constitucional seja atual.

Portanto, quer durante o processamento dos incidentes de julgamento de casos repetitivos, quer após seu julgamento e formação dos precedentes vinculantes, há inúmeras vantagens em especial: a) a gestão dos processos de massa que envolvem as pessoas representadas pela Advocacia Pública; b) da padronização de atuação de procuradores, e; c) e uniformização do tratamento dado aos administrados que litigam contra a Fazenda.

Ademais, nada impede que os pronunciamentos vinculantes produzidos neste ambiente sirvam como “referência normativa” para a adaptação de práticas não apenas da Procuradoria, mas também dos órgãos assessorados e representados pela PGF, prevenindo a litigiosidade.

 

V – CONCLUSÕES

Diante do sistema de precedentes qualificados estabelecido no Código de Processo Civil e considerando as missões institucionais da Advocacia Pública, em síntese, a atuação estratégica da mesma na formação de precedentes qualificados, envolve:

a) O mapeamento das questões de direito repetitivas passíveis de uniformização via técnicas de julgamento de casos repetitivos e edição de precedentes qualificados;

b) o aprimoramento e alinhamento da atuação dos órgãos da Advocacia Pública nos casos em que for detectado potencial utilidade ou necessidade de formação de precedentes qualificados antes do requerimento de instauração propriamente dito;

c) a provocação de instauração de incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência;

d) a propositura de instauração de julgamento de recursos especial e extraordinários repetitivos perante o STJ e STF e junto às vice-presidências dos tribunais de segundo grau;

e) o monitoramento e participação em processos cuja instauração do incidente ou afetação tenham se dado de ofício ou por iniciativa de outros sujeitos;

f) a obtenção da suspensão da tramitação de processos que versem sobre questões idênticas no âmbito local (arts. 982, I do CPC) ou nacional (arts. 982, 3º e 1.037, II do CPC) como forma de racionalizar a atividade de seus órgãos de execução;

g) a atuação na qualidade de parte ou de amicus curiae (art. 138 CPC) nos incidentes de incidentes de julgamento de causas repetitivas de iniciativa de outros sujeitos ou instaurados de ofício pelo Judiciário;

h) a propositura do pedido de suspensão nacional junto ao STJ ou STF, conforme o caso, nos termos do art. 987 do CPC quando instaurado um incidente de resolução de demandas repetitivas em um dos TRF´s ou tribunais de justiça.

i) a propositura de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula de jurisprudência dominante (art. 926, §1º e 927, IV do CPC) relacionado às matérias de interesse dos órgãos representados pela Advocacia Pública.

 

Ademais, a partir do julgamento do mérito e demais decisões exaradas nos procedimentos voltados ao julgamento de casos repetitivos, os órgãos de direção central da Advocacia Pública poderão:

j) comunicar aos demais órgãos e unidades e membros sobre a instauração de incidentes de julgamento de causas repetitivas, em especial sobre a decisão de suspensão dos processos que versam sobre a mesma matéria nos termos do art. 982, I e §3 e 1.037 do CPC, e orientar o pedido de suspensão dos feitos idênticos;

k) fornecer modelos de petições, recursos e teses voltadas a requerer a aplicação do precedente qualificado favorável à Fazenda Pública;

l) comunicar aos demais órgãos, unidades e membros sobre o trânsito em julgado dos acórdãos proferidos em incidentes de julgamento de causas repetitivas orientando, quando necessário, sobre o sentido e alcance do pronunciamento vinculante e possibilidade de aplicação das Portarias AGU n. 487 e AGU n. 488;

m) orientar, quando for o caso, a continuidade da discussão judicial da tese até o esgotamento das instâncias ou para arguir superação ou distinção apesar da existência de pronunciamento vinculante;

n) propor orientações formais direcionada aos órgãos da Administração sobre os pronunciamentos vinculantes, com a finalidade de prevenir litigiosidade e promover isonomia, segurança jurídica e eficiência

 

REFERÊNCIAS

ALVIM, Teresa Arruda. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 172, p. 130, 2009.

BRITTO, Ávio Kalatziz. Advocacia-Geral da União tem atuação cada vez mais especializada, https://www.conjur.com.br/2019-abr-11/avio-britto-agu-atuacao-cada-vez-especializada?

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 3ª ed., 2017.

CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v. 3, 14. ed. Salvador: Jus Podivm, 2017.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: RT, 2016.

MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Súmulas e precedentes qualificados: técnicas de formação e de aplicação. São Paulo: Saraiva, 2019.

[1] Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 210.

[2] Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 125.

[3] O novo processo civil brasileiro, p. 433.

[4] Nesse sentido, o enunciado FPPC n. 170, verbis: “(art. 927, caput) As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.”

[5] Sobre o tema nosso: “O Precedente Qualificado no Processo Civil Brasileiro: formação, eficácia vinculante e impactos procedimentais” MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Súmulas e precedentes qualificados: técnicas de formação e de aplicação, São Paulo: Sariava, 2019, p. 54 e seguintes.

[6] Nesse contexto, vale o destaque do Enunciado nº 460 do Fórum Permanente de Processualistas Civis –  FPPC, verbis: “(arts. 927, §1º, 138) O microssistema de aplicação e formação dos precedentes  deverá respeitar as técnicas de ampliação do contraditório para amadurecimento da tese, como a realização de audiências públicas prévias e participação de amicus curiae.”

[7] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo. Curso de Direito Processual Civil.  v. 3, 14. ed. Juspodium, p. 672.

[8] BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 141.

[9] ibidem, p. 648.

[10] Sobre a potencialidade do julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida formar precedente qualificado não obstante a ausência de previsão expressa no rol do art. 927 do CPC, já afirmamos que (MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Súmulas e precedentes qualificados: técnicas de formação e de aplicação. São Paulo: Saraiva, p. 170/171), asseverou que: “Reconhecida a repercussão geral, o mérito do recurso será julgado, sendo o acórdão lavrado nessa sede também um precedente qualificado de obrigatória observância por todos os juízes e tribunais do país.

Essa afirmação irrefutável, se observada a prática do STF e de todos os demais juízes e tribunais do país, aproxima os efeitos e as funcionalidades do acórdão do STF proferido em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida do acórdão lavrado em recurso extraordinário repetitivo, tratado no item anterior e literalmente referido ao longo do texto do CPC.

Essa conclusão é, como dito, incontornável a partir da análise da observância da prática de todos os órgãos jurisdicionais do país, pois esses são os efeitos atribuídos por todos a partir do momento em que uma questão é apreciada e julgada em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida.

Maior prova disso, ao lado da consideração, observância e aplicação obrigatória desse precedente qualificado, é o fato de o STF nem sequer afetar o julgamento do recurso extraordinário por meio da técnica do julgamento de casos repetitivos por entender suficiente “simplesmente” julgar o mérito uma vez reconhecida a repercussão geral.

Em suma, não obstante certa descoincidência entre as referências ao acórdão lavrado em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida e o fruto de julgamento do recurso extraordinário repetitivo ao longo do texto do CPC, especialmente em sua redação originária, ambos os precedentes devem ser tratados igualmente pelo operador do direito, haja vista serem vinculantes e exercerem, rigorosamente, as mesmas funcionalidades.

Reforça essas conclusões o disposto nos seguintes artigos do CPC: a) art. 979, § 3º, que amplia a publicidade do julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário; b) art. 998, que torna sem efeito para fins de fixação da tese a desistência apresentada no recurso extraordinário cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos; c) art. 988, § 5º, II, que condiciona o cabimento da reclamação contra decisão que contraria acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos aos mesmos pressupostos de cabimento; d) art. 1.030, I, que em suas duas alíneas disciplina da mesma forma a negativa de seguimento de recurso extraordinário que contrarie tese consagrada pelo STF, tanto em sede de repetitivos quanto em sede de RE com repercussão geral reconhecida; e) art. 1.030, II, que permite o juízo de retratação pelo tribunal a quo quando o “acórdão recorrido divergir do entendimento do STF ou do STJ exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos”; f) art. 1.030, V, que autoriza que o presidente ou vice-presidente do tribunal a quo realize o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeta o feito ao STF ou ao STJ, desde que o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos; g) art. 1.042, que ressalva o cabimento do agravo contra a decisão do presidente ou de vice-presidente do tribunal que inadmite recurso extraordinário fundado em decisão exarada em recurso repetitivo ou recurso com repercussão geral reconhecida.

A tudo isso deve ser somado o fato de o art. 1.039, parágrafo único, relativo à repercussão geral, estar inserido na subseção do Código dedicada ao julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos.

Ademais, não haveria razão lógica para o sistema processual tratar de maneira diferente dois tipos de pronunciamentos do Plenário do STF, produzidos de acordo com o rito qualificado em que são maximizados os princípios do contraditório, da motivação, publicidade, eficiência e razoável duração do processo na mesma medida e proporção.

Por todas essas razões, outros dispositivos do Código que fazem referência expressa ao recurso extraordinário repetitivo são aplicáveis ao julgamento de RE com repercussão geral reconhecida, por analogia, como os próprios arts. 927, III, e 1.040 do CPC, o que implica dizer que os acórdãos proferidos nas duas vias são de obrigatória observância e possuem os mesmos impactos procedimentais.

 


Fábio Victor da Fonte Monnerat

Servidor público e Professor

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Fábio Monnerat é Doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, onde lecionou nos cursos de graduação e pós-graduação (lato e stricto sensu) entre 2007 e 2023, como professor assistente.

É membro da Advocacia-Geral da União, ocupante do cargo de Procurador Federal desde 2003 e, atualmente, exerce a função de Coordenador-Geral de Tribunais Superiores da Procuradoria Geral Federal, órgão da AGU. Nessa qualidade é responsável pela coordenação da atuação junto ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça de 165 entes públicos, dentre elas, as Universidades Federais, todas  as Agências Reguladoras, tais como ANATEL, ANEEL, ANS e ANAC, além de diversas instituições públicas como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Instituto Nacional  de Propriedade Intelectual (INPI) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), dentre outros.

coordenação das ações da Procuradoria Geral Federal junto aos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, envolve a definição das estratégias processuais dos entes públicos perante os principais tribunais do País. Além disso, implica na atuação na defesa desses entes, com elaboração de recursos e outras manifestações processuais, apresentação de memorais e realização sustentações orais perante o STF, STJ e também na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.    

Durante sua carreira como Advogado Público foi Membro da Câmara Permanente de Orientação Judicial em Processo Civil e Gestor de Precedentes Qualificados da Procuradoria-Geral Federal, Coordenador de matéria previdenciária da Procuradoria Regional Federal da 3ª Região e Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União em São Paulo. Durante a vacatio legis do Código de Processo Civil de 2015 foi o procurador responsável pela capacitação dos mais de 4000 Advogados Públicos em relação ao novo diploma processual, ao ocupar a Coordenação Nacional de Processo Civil da Escola da AGU, tendo realizado cerca de 40 cursos de atualização, aprimoramento, e alta formação para os membros da AGU. No período também coordenou a pós-graduação em Direito Processual Civil da Escola da AGU e Escola da Procuradoria Geral da Estado de São Paulo.

Tem 17 anos de experiência docente, tendo começado como professor assistente em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP à época em que cursava o mestrado na Instituição. Atualmente é professor do Instituto de Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP-Brasília) no Curso de LLM em Processo nos Tribunais Superiores, da Faculdade de Direito do Mackenzie – Brasília, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro (PUC-Rio), da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), lecionando nos cursos de pós graduação em Direito Processual Civil.

 Ao longo de sua carreira docente foi professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo, da Universidade Católica de Salvador – UNICSAL, da Escola Paulista de Direito – EPD, do Complexo Damásio Educacional, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Universidade São Judas Tadeu (USJT), do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Também foi Coordenador e professor do Curso de Especialização em “Direito Processual Civil Aplicado” da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo - ESA OAB SP e já lecionou em inúmeras Escolas de Aperfeiçoamento e Atualização Profissionais, tais como a Escola Superior do Ministério Público Federal, diversas seções da Escola Superior da Ordem dos Advogados do Brasil (ESA´s), não apenas de São Paulo, como também na ESA NACIONAL e ESA´s dos Estados de Pernambuco, Espírito Santo, Santa Catarina, Amapá, Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, assim como já ministrou cursos nas Escolas da Magistratura dos Estados de Sergipe, Amazonas, Piauí, Maranhão e Santa Catarina, e Escolas de Procuradoria Gerais dos Estados, dentre elas, da PGE Bahia, PGE São Paulo e PGE do Distrito Federal.

Na área jurídica internacional, Fábio Monnerat participou como professor palestrante de importantes cursos, tais como o seminário “Sistemi Processuali a confronto: il Nuovo Codice di Procedura Civile del Brasile tra tradizione e rinnovamento”, em Roma, Itália (2015); o “2º Colóquio Luso-brasileiro de Direito Processual Civil”, em Lisboa, Portugal (2016); o curso “O Processo civil contemporâneo: estudos comparados Brasil-Itália”, também em Roma (2016, 2017 e 2018); e o curso “Tutela jurisdicional em uma perspectiva comparada: Europa-Brasil”, em Sevilha, Espanha (2019). Atualmente é o professor coordenador acadêmico do Curso “Solução de conflitos em uma perspectiva comparada: Europa-Brasil”, promovido anualmente na Itália pela Accademia JuirsRoma, e que conta com professores, magistrados e advogados do Brasil, Itália e outros países da Europa no corpo docente e discente.    

Como escritor, publicou dois livros: “Introdução ao Estudo do Direito Processual Civil”, atualmente na 6ª ed., e “Súmulas e Precedentes Qualificados: Técnicas de Formação e de Aplicação”, ambos pela Editora Saraiva. Além disso, é autor de textos e artigos científicos frequentemente divulgados em coletâneas, revistas especializadas em Direito e sites jurídicos.

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